quinta-feira, 4 de abril de 2013

IMPRESSÕES SOBRE A KILENDA!

Mensagem chegada da Gabela!
Gostei muito da sua mensagem. Obrigada.
Só hoje a pude abrir.
Mando-lhe um texto da D. Isabel, sobre as impressões da Kilenda, e não só. Acho que está muito completo embora ela diga que é apenas um rascunho.
É muito empenhada em tudo quanto faz.
A Céu vai arranjar a dupla nacionalidade. O Pe Farias já conseguiu que lhe enviassem uma certidão, do Lubango. Ela, embora tenha muitas saudades, parece estar feliz.
Um abraço muito grande de todas nós.

Kilenda fica na província do Quanza Sul, que tem por capital o Sumbe, antiga Novo Redondo (Ainda hoje no Mercado Municipal se pode ler CMNR). Encontra-se a quase 1200 de altitude. Por esse motivo, não é muito quente. Os montes que a rodeiam, neste momento, estão verdejantes. Dista uns 30 Km da Gabela. Até esta cidade, a estrada é razoável. Hoje demora-se mais de uma hora a percorrer essa distância. Dizem que já foi pior. Melhorou, quando fizeram uma terraplanagem. No entanto, com as chuvas foi-se degradando e agora alguns dizem, com ironia, que é uma “pedraplanagem”. A administradora do município (o equivalente a presidente da Câmara) é uma pessoa muito dinâmica e com visão, que tem feito muito pela terra. Como vai ficar mais uns anos, espera-se que muita coisa melhore. Aliás, o governo está mais exigente e contemplou no seu orçamento verbas para o desenvolvimento e combate à pobreza
Insere-se numa zona das mais atingidas pela guerra, que deixou as suas marcas. A Igreja ficou sem telhado e com os vitrais destruídos. Até S. José foi atingido num joelho. Já foi colocado o telhado, mas continuam por substituir os vitrais. Os pássaros entram e saem, acabando por sujar tudo, incluindo as toalhas do altar.
No centro da povoação, há poucas casas, algumas das quais do tempo colonial, mas nos arredores há vários bairros de cubatas, com um aspeto interessante e muito bem enquadrados no ambiente. As cubatas não são grandes, pois com um clima destes as pessoas só as necessitam para dormir. Algumas são cobertas de colmo(?), outras, com chapa.
Existe uma escola Secundária e escolas do Ensino Primário que são frequentadas por alunos de todas as idades. O uso da bata branca é obrigatório. Até à 6ª classe os livros são de distribuição gratuita. As classes são muito numerosas, embora haja tendência para a diminuição dos alunos por turma. Da 7ª à 12ª classes, poucos alunos têm livro. Ditam-se apontamentos e distribuem-se algumas fotocópias. Embora haja o livro único, não é fácil, pelo menos aqui, encontrá-los. As aulas começaram a 5 de fevereiro, mas, ou por um motivo ou por outro, algumas turmas poucas aulas tiveram ainda, até hoje. São os alunos que limpam as salas de aulas e também assumem os espaços exteriores, capinando (cortando o capim) e cuidando da limpeza.
Eu ocupo-me a apoiar o estudo, sobretudo das meninas que estão cá em casa. Alguns chegam à 4ª classe sem saber ler.
Está em curso o PAAE (Plano de Alfabetização e Aceleração Escolar), no qual estão a investir bastante. Na segunda-feira, espero começar um curso com 22 senhoras, que pretendem aprender a ler.
Existe um hospital, muito perto da nossa casa. Nele trabalham uma médica e um médico russos. Os enfermeiros são angolanos. Um médico cubano tem a cargo a prevenção da malária. O hospital é relativamente novo. Os doentes levam a roupa de que precisam, incluindo a roupa de cama. Embora tenham direito à alimentação, podem levar-lhes comida de casa. Muita gente adoece com paludismo.
Também existe um notário e uma esquadra da polícia.
No centro, em frente à Igreja, há um espaço público com um bar, um parque infantil e um ecrã gigante onde podem ser vistos os desafios de futebol. Perto estão os serviços da administração municipal e, ao lado destes, o palácio, residência da administradora. Não longe dessa zona, estacionam os minibus que vão para a Gabela. Logo a seguir, temos o mercado, que é ao ar livre. Embora existam algumas barracas toscas, com estacas de madeira e cobertura de colmo, muitos expõem os seus produtos no chão sobre panos. Todos, pequenos e grandes, vendem (zomgam), de tudo. As crianças juntam pedrinhas que vendem ao balde. Quem não colhe, por vezes, vai longe comprar a mercadoria. Outros negoceiam com o que encontram, ou roubam. Contam que uma vez o Sr. Padre perdeu no caminho um pneu. No regresso, acabou por ter de o comprar.
Há alguns bares espalhados por Kilenda, uma moagem da paróquia, algumas lojas, um minimercado explorado por um marroquino, uma loja que vende motas, cartões para telemóveis, etc, de um vietnamita.
As pessoas deslocam-se a pé, de mota (o sonho dos jovens), de minibus, de Hiace branca e azul (dos candongueiros). Noutras cidades, há carros mais pequenos, oficiais ou não, que efetuam transportes. Não há horário para a partida. O minibus sai quando encher, às vezes, até abarrotar. Claro, existem bons carros privados, Land-rovers, como convém para estes terrenos. As motas também fazem serviço de táxi. O uso do capacete só é obrigatório para o condutor, mas é pouco respeitado. Às vezes, arrepia ver o pai, um filho pequeno e a mãe com um bebé às costas, completamente desprotegidos.
As mulheres usam muito uns panos que são “multifuncionais”. Colocam-nos com arte por cima das saiais ou calças, pelos ombros, na cabeça, servem para cocar (transportar os filhos às costas), usam-nos como molidas para levar coisas à cabeça, estendem-nos para se sentarem ou para se deitarem em qualquer parte.
As pessoas são muito educadas e afáveis. Tratam-se por manos, se da mesma idade; mãe/mamã, pai/papá, se mais velhos. Os mais velhos tratam, com alguma frequência, os mais novos por filhos. É curioso que há pessoas que têm por diminutivo mãezinha, avozinha, paizinho e avozinho. Dizem a tudo que sim, mas pouco e poucos cumprem. Cumprimentam-se geralmente com um aperto de mão. Cultivam a solidariedade. Se alguém morre, nos chamados óbitos, os familiares são acompanhados durante uma semana pelos amigos e familiares que, para os distrair, dançam ao som de música. Com os géneros que todos levam, cozinham bons pratos com que se banqueteiam. Não enterram os mortos no cemitério, mas nas suas próprias lavras. O luto guarda-se de branco ou de preto e é com um ritual próprio, que no tempo estipulado se levanta. Há um cemitério em Kilenda com um jazigo de uma família portuguesa “Rebelo”.
Comem quase sempre fungi que é uma papa consistente, à base de mandioca ou de milho. É acompanhado com carne, peixe seco, conservas e com ervas. Aproveitam a rama da batata doce, do feijão pequeno e da abóbora. Consideram alguns insetos (salalé) um petisco, comendo-os até crus.
São as mulheres que trabalham nas lavras. Aqui colhem sobretudo milho e feijão. Produzem bananas, abacaxi, abacate, mangas (pequenas e sem grande aspeto, mas muito saborosas), maracujá (cuja flor é lindíssima) e mamão. A banana-pão que é uma delícia, assada ou cozida, nem aparece no mercado, sai em camiões para Luanda. Aqui, no tempo colonial, havia fazendas de café. Este café tem um baixo teor de cafeína. Para chegar à mesa, é necessário muito trabalho. Há ainda quem o cultive.
Temos luz, com algumas falhas e deficiências, produzida por um gerador do município, durante 6 horas por dia, das 18 h às 24h. Para se poderem manter os alimentos no frio, as irmãs têm que utilizar o seu próprio gerador, durante mais três horas por dia. Quando falha, vamo-nos deitar mais cedo.
A água ou vem da montanha , ou do rio Mugige, ou das chuvas. A da Montanha, que é potável, foi aproveitada por alguns particulares, pela administração, que a encaminhou para alguns serviços, nomeadamente, para o hospital. Os populare, em horas estipuladas, podem ir lá a buscá-la. Por vezes, não tem caudal suficiente para as necessidades. Do Mugige é transportada em carros-tanque e distribuída pela população. A casa onde estou tem um tanque que pode armazenar uns 50 000 l. Espera-se que, em breve, façam ramais até às casas. Os chafarizes foram vandalizados.
A feitiçaria está muito presente nesta cultura. Com o medo da precária condição humana, muita gente se governa, por estas paragens.
A bigamia e a poligamia são aceites. Parece que, em tempos, só o Soba era polígamo, porque precisava de mulheres que o sustentassem, já que as suas tarefas não eram remuneradas.
Há bastantes cristãos, metodistas e da Assembleia de Deus (Pentecostal), mas há poucos católicos. No entanto, os que vão à Igreja são muito comprometidos. Aos domingos, levam os melhores fatos e panos e têm uma atitude de muito respeito. Parece terem muita fé. Existem na Igreja vários movimentos e com movimento.
Durante a semana, o nosso dia começa pouco depois das cinco da manhã. Vamos à Missa às 6 h. Aos domingos, a missa é às 7h. Entramos quase de noite para a Igreja, mas quando saímos já está um sol radioso.
À tarde, o crepúsculo é muito curto. O céu e a natureza, a esta hora, são de uma rara beleza.
Tivemos um mês com fortes trovadas, algumas iminentes, e com muita chuva. Uma bênção, pela escassez de água, mas as lamas são um perigo, escorrega-se muito e os mosquitos proliferam.
Para ir ou vir de Luanda é complicado, se não se tiver carro. Andar em Luanda também não é fácil, o trânsito é o “salve-se quem puder “, e há muitos roubos.



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